Entrevista | João Cotrim de Figueiredo, Presidente do partido Iniciativa Liberal e Deputado na Assembleia da República
O PT Post teve uma conversa extensa com João Cotrim de Figueiredo, com principal propósito de dar a conhecer melhor o partido Iniciativa Liberal e as ideias que defende aos 140 mil cidadãos portugueses que residem na Alemanha.
Pode ver a entrevista em video aqui:
PT Post Fala-se comummente de liberalismo e de neoliberalismo com uma carga negativa associada, sendo frequentemente apresentados como “papões”. Convido-o a falar um pouco sobre o modelo liberal, que liberalismo defende a Iniciativa Liberal e quais as principais linhas políticas defendidas.
João Cotrim de Figueiredo A pergunta introduz uma série de preconceitos que há, e com que tentam simplificar e caricaturar a posição dos liberais. Não há qualquer confusão possível, a menos que estejamos de má-fé, entre um liberal e um anarquista, entre um liberal e um libertário, entre um liberal e um neoliberal. É importante desfazer equívocos.
A Iniciativa Liberal não é um partido que defenda a ausência de Estado e, muito menos, a ausência do Estado Social. Esse dilema já tem mais de 100 anos e já foi resolvido entre liberais: os liberais defendem a existência de um Estado Social, mas um Estado Social que não limite a escolha dos cidadãos relativamente aos serviços que o Estado está a prestar.
Significa, na prática, que defendemos que haja serviços públicos, mas que eles não têm de ser prestados pelo Estado. E isto faz toda a diferença, porque ao introduzir a possibilidade escolha das pessoas, e prestadores diferentes e concorrentes para os serviços públicos, sejam na saúde, na educação ou na própria Segurança Social, estamos a manter a liberdade individual, central ao nosso credo político, e estamos a aumentar brutalmente a eficácia do sistema. Só com a escolha das pessoas é que os sistemas têm incentivos para melhorar e evoluírem no sentido que as escolhas das pessoas estão a indicar. Portanto, primeiro equívoco: a Iniciativa Liberal não defende a ausência de Estado, defende a presença de um Estado pequeno, pouco interventivo e muito forte nas matérias que lhe dizem respeito.
Deve, por exemplo, assegurar que a prestação dos serviços públicos é feita em condições de igualdade. E as funções de soberania não são obviamente delegáveis.
Segundo equívoco: a Iniciativa Liberal é, de alguma maneira, confundida como defensora das elites. Nada mais errado. Se defendemos a liberdade individual, é o indivíduo que é o nosso foco de preocupação. Se há alguma coisa a defender, é a sua capacidade de decidir livremente. Isso implica, desde logo, ser defendido em relação ao Estado e aos abusos do poder estatal, mas também em relação a todos os outros tipos de limitação, ou de opressão, que possam vir até de grandes empresas monopolistas, que estejam a limitar a capacidade de escolha. Hoje, quando se discute o grande poder das plataformas tecnológicas e a forma como elas tornam a escolha dos seus utilizadores, relativamente aos serviços que são prestados, pouco livre, também é disso que estamos a falar: é sempre crucial assegurar que as pessoas tenham por onde escolher e a liberdade para exercer essa escolha.
Finalmente, uma terceira concepção errada: a Iniciativa Liberal só se preocupa com temas económicos. Nada mais errado. A economia, para nós, é apenas mais um meio para assegurar uma maior liberdade individual. Não acreditamos que quem tenha necessidades básicas, que não tenha uma casa condigna, que não consiga educar os seus filhos, possa fazer o exercício pleno da sua liberdade. Queremos que haja desenvolvimento económico para que essas necessidades básicas sejam asseguradas. Essa é a função da economia no nosso modelo. E não nos preocupamos só com economia: basta olhar para aquilo que, nos últimos três ou quatro meses, a Iniciativa Liberal apresentou como propostas, para ver que a maioria delas tinha a ver com assuntos ligados à educação, à protecção dos mais vulneráveis – sejam eles crianças, idosos ou pessoas vítimas de violência doméstica –, e tudo isso com uma coerência em relação ao nosso programa e com coerência em relação a acreditarmos sempre na protecção do indivíduo, no sentido de não precisar de ser protegido enquanto “coitadinho” ou vítima, mas porque se não houver essa protecção, não acreditamos que as pessoas possam escolher livremente. E essa é sempre a nosso pedra-de-toque: conseguir com que as pessoas escolham livremente o que fazer na sua vida. Na esfera económica, na esfera social e na esfera política.
PTP Tem evidenciado uma grande preocupação com o desenvolvimento económico do país em várias intervenções. O que é que é preciso para avançar noutro sentido, criar riqueza e distribuí-la melhor?
JCF Há várias respostas possíveis. A que eu gosto mais é muito empírica, é olhar para os países que se têm desenvolvido mais do que Portugal, partindo de situações mais pobres do que Portugal, e perguntar se o trajecto fizeram é impossível de replicar. E, se for impossível de replicar, como se explica isso: tem a ver com uma impossibilidade genética do português funcionar como esses países – e não são nem um, nem dois, são variadíssimos os que têm feito essa ultrapassagem –?. Somos, como povo, menos capazes por motivos genéticos, culturais, ou o que é que se passa para as pessoas advogarem que não possamos fazer aquilo que outros fizeram? Quando vamos ao concreto do que é que esses países fizeram, em todos, sem excepção, há componentes, às vezes quase todas, que são liberais: a simplificação fiscal, a abertura de mercados, a forma de lidar com o Estado Social. Todas elas têm essas características, sem excepção –porque é que não há-de ser possível fazer isso em Portugal?
A explicação mais profunda, que não seja só empírica, tem a ver com algo em que acreditamos, que é o sucesso das comunidades depende da capacidade de cada um dos seus elementos conseguir fazer um caminho que o satisfaça. Se eu não for capaz de escolher o caminho que é melhor para mim, que mais me satisfaz, que mais me realiza, eu não vou ser capaz de contribuir para que o somatório de todas estas decisões produzam países ou comunidades mais ricas e mais realizadas.
Portugal não tem nenhum motivo para não poder e não dever entrar num caminho desses – nenhum. Só tem aquilo que infelizmente se verifica no país, que são preconceitos ideológicos, um hábito enraizado de nos encostarmos ao Estado e de estarmos sempre à espera que alguém autorize e dê permissão para que nós façamos o que quisermos da nossa vida.
PTP Acredita que há um novo momento para o liberalismo em Portugal? O sistema político está muito marcado pelo pós-25 Abril, mesmo quase 50 anos volvidos sobre a revolução, sendo reconhecida a preponderância da esquerda. O liberalismo é de esquerda e de direita? Como encontrou espaço neste sistema democrático com uma base ideológica marcadamente de esquerda?
JCF Há várias questões aí. Começando talvez pela mais fácil, e não por não ser uma pergunta difícil, mas porque a resposta, provavelmente, nunca satisfará ninguém. Essa coisa da esquerda e da direita, uma noção que vem da Revolução Francesa, que se tem mantido e que ajuda a simplificar o debate público e a arrumar as coisas: nós não nos revemos nisso, mas eu já desisti de tentar combater essa forma de olhar para o problema, até porque reconheço que ela é útil e que simplifica as coisas ao ponto de tornar algumas discussões mais fáceis. Mas não é muito rigorosa, porque quando nós votámos recentemente o texto final da lei da eutanásia, votámos ao lado dos partidos da esquerda e fomos, por isso, criticados pelos partidos da direita. Quando defendemos a redução de impostos ou a simplificação regulamentar, votamos ao lado dos partidos ditos de direita e somos criticados pela esquerda. Se estamos a ser criticados pelos dois lados devemos estar a fazer alguma coisa bem!
A realidade é que em Portugal, e em muitos países, aquilo que se defende para a economia acaba por marcar a maneira como se olha para os partidos. E, nesse particular, estamos mais perto dos partidos da direita do que dos partidos da esquerda, sobretudo por uma questão doutrinária ou filosófica: os partidos da esquerda têm uma concepção genericamente colectivista da sociedade, acham que os grupos se comportam quase homogeneamente, de determinada maneira, porque têm aquelas circunstâncias; nós acreditamos no contrário, os grupos comportam-se em função do comportamento dos seus membros individuais, os grupos cruzam-se permanentemente e não existe comportamento colectivo que seja identificável – a história não é feita por movimentos de massas, é feita pela energia e pelas decisões das pessoas individuais. Nesse particular também temos mais pontos de contacto, até ideológico, com a direita. Mas eu acredito que a prazo muitas dessas distinções se vão tornar cada vez mais difíceis de fazer e, talvez um dia, essa distinção de esquerda e direita se venha a esbater.
Agora, tens razão quando dizes que Portugal está sociologicamente à esquerda e que o trajecto desde o 25 de Abril tem reforçado essa dimensão, sobretudo num aspecto que me preocupa particularmente: uma cultura de dependência em relação ao Estado, no pior sentido – uma tendência de ficar à espera que o Estado me autorize, me estimule, me subsidie ou mesmo que me ampare em matérias em que eu deveria ser capaz de o fazer por mim próprio. E quando não fosse, por algum motivo de saúde, ou por outro motivo de força maior, aí sim, o Estado deveria ajudar-me para que eu não ficasse desprovido, não ficasse desvalido ou excluído da sociedade: já falámos na importância que o Estado Social tem para nós nessa sua dimensão. Mas não para a generalidade das pessoas: a generalidade das pessoas tem a possibilidade e tem em si as ferramentas para conseguir fazer bastante mais por si próprias. É claro que isto tem de ir melhorando ao longo do tempo, para que as pessoas não tenham limitações: melhorando através de serviços de saúde adequados e, sobretudo, melhorando através de um sistema de educação adequado, que prepare as pessoas para uma atitude de maior responsabilidade, responsabilidade por si próprias e que as torne mais capazes de usar a liberdade que nós gostaríamos que elas tivessem.
O trajecto para alguém que é liberal em Portugal é reconhecer que o ponto de partida é difícil, que há esta realidade política e sociológica. A primeira missão dum partido liberal, para além de dizer que existe e para além de marcar a agenda sempre que pode – o que eu acho que temos feito em muitos domínios – é perceber que a grande batalha é cultural, é dizer às pessoas que não têm que estar sempre à espera que o Estado faça por elas, que as autorize a fazer e que não devem tomar de ânimo leve que lhes imponha regulamentos que não façam sentido ou impostos que sejam excessivos.
PTP E porquê o surgimento da Iniciativa Liberal neste final da última década? Qual foi a abertura do sistema para avançarem com este projeto?
JCF Eu acho que não foi abertura nenhuma, foi mesmo uma frecha aberta a escopro e martelo! Conseguimo-lo com a eleição de um deputado, é um princípio, e eu vejo o meu papel como sendo o de desbravar caminho para que a seguir venham 10, depois venham 50, e por aí afora.
A razão pela qual aparece, para abrir uma brecha e não para aproveitar uma brecha que já houvesse, é exactamente aquela que eu dizia há bocado: o reconhecimento de que para quebrar aquilo que tem sido um ciclo quase vicioso de dependência, de mais e mais Estado. Andamos nisto há anos, com o resultado de termos sido ultrapassados por vários outros países.
PTP Tivemos uma eleição presidencial, muito recentemente, em que a Iniciativa Liberal decidiu apoiar um candidato que obteve um resultado na casa dos 3,2% - mais de três vezes superior ao resultado do partido nas legislativas. Teve oportunidade de observar os resultados na Europa, e em particular na Alemanha, onde o candidato que o seu partido apoiou foi votado numa percentagem acima do dobro daquela que obteve em território nacional, até mesmo em cidades marcadamente de esquerda, como no caso de Berlim? Crê que tal possa estar associado à experiência de viver em sociedades mais amigas do liberalismo?
JCF Eu acho que o resultado do Tiago Mayan tem a ver com muitas coisas, e também tem a ver com a exposição que a Iniciativa Liberal tem tido, e que não tinha tido nas eleições anteriores. Expondo ideias liberais às pessoas, mais pessoas se convencem daquilo que eu disse ao princípio: que não somos um partido dos ricos, que não somos um partido que não quer o Estado, que não somos um partido que está interessado em acabar com o Estado Social, com o SNS e com a escola pública. E também não somos um partido que se confunda com outros partidos populistas, que andam aí a tentar fazer política de terra queimada.
A candidatura do Tiago Mayan tinha um conjunto de objectivos, sobretudo mais políticos do que quantitativos. Posso dizer, com satisfação, que se cumpriram os objectivos políticos plenamente e os quantitativos satisfatoriamente. Contudo, devo dizer que acho que a Iniciativa Liberal, hoje em dia, já vale mais que os 3,2% que o Tiago Mayan teve, porque estas eleições presidenciais foram muito especiais: o presidente que se recandidatou era muito popular e houve certamente gente que votaria na Iniciativa Liberal em legislativas que votou em Marcelo Rebelo de Sousa; houve certamente pessoas que votariam na Iniciativa Liberal em legislativas e que acharam que era uma boa altura para dar um voto de protesto nos candidatos um bocadinho mais histéricos, deixe-me dizer assim… Portanto há votos da Iniciativa liberal que não vieram para Tiago Mayan. Também acredito que houve votos de outros partidos que tenham vindo parar ao Tiago, até porque a escolha não socialista não era fantástica.
Falaste nos resultados na Alemanha, e houve casos como a Irlanda, onde teve 10,5%, como a Holanda, onde teve 10,6%, na República Checa, onde teve 11,8%. São números pequenos, mas em sítios onde as pessoas sentem na pele as vantagens de uma abordagem liberal à sociedade, o Tiago Mayan teve resultados particularmente animadores.
PTP Falámos agora um pouco nos resultados fora do território nacional. A Iniciativa Liberal já teve oportunidade de pensar políticas dirigidas aos muitos milhões de portugueses residentes no estrangeiro? Como é que avalia o papel destes cidadãos para o país?
JCF São cidadãos que merecem muitíssimo mais respeito e acompanhamento do que aquele que têm tido. Fala-se muitas vezes da nossa diáspora e das pessoas que emigraram de Portugal, mas há duas coisas que não acontecem: não se tenta perceber exactamente porque é que saíram, para daí tirar conclusões; e não se faz por criar condições para que elas regressem. E, em ambos os casos, boa parte das razões pelas quais saíram, e boa parte das razões pelas quais não regressam, têm a ver com a forma como a nossa sociedade e nossa economia está organizada: não há oportunidades suficientes para as pessoas poderem voltar ou não serem incentivadas a sair. Há um sistema fiscal que desincentiva o crescimento salarial das pessoas: há muitas contas feitas sobre isto, para aumentar alguém como um jovem licenciado, já com alguns anos de prática, e que receba € 1.500 líquidos, aumentá-lo para € 2.000, portanto um aumento de 33%, o custo da empresa que lhe está a pagar suporta tem que subir cerca de 50%; noutros países tem que subir muito menos. Ou então pela inversa, que é o que acontece: gastando o mesmo, conseguem oferecer condições muito melhores às pessoas. E há ainda a questão do reconhecimento do trabalho, da evolução pelo mérito, da menor frustração que se sente ao lidar com a burocracia local… Tudo isso conta e faz com que as pessoas que já vivam há alguns anos nestes sistemas tenham enormes resistências em voltar e podermos ter uma oportunidade de pôr esse seu talento, e aquilo que aprenderam, ao serviço de Portugal. E, portanto, geramos isto: estamos a exportar pessoas excelentes, que não conseguimos depois atrair de volta; e queixamo-nos muito da falta de qualidade e de qualificação da nossa mão-de-obra depois de ter deixado fugir os melhores. Tudo isso faz parte do problema e, para nós, é crucial que olhemos para os portugueses que estão lá fora exactamente da mesma maneira que os portugueses que estão cá dentro, com uma diferença: eles conseguem contar-nos uma história, porque é que saíram e porque é que não voltam – e nós temos de ser capazes de retirar esses obstáculos.
PTP Na sequência de um debate que surgiu tarde na última eleição presidencial, perguntava-lhe sobre a participação dos cidadãos portugueses nos actos eleitorais a partir do estrangeiro. Que modalidades de voto deveriam ter disponíveis? Deveriam estas diferenciar-se entre eleições à semelhança do que acontece hoje em dia?
JCF Eu confesso que não entendo porque é que há diferenças entre eleitores. Consta da lei, de facto – algum motivo histórico há-de ter. Francamente, eu não entendo e quando tu perguntas que mecanismos é que devem existir para facilitar a participação, digo: todos, iguais em todas as eleições. Porque é que o voto por correspondência há-de ser diferente, porque é que o voto em mobilidade antecipada há-de ser diferente, porque é nuns casos tem que ser no consulado e noutros pode ir-se aos correios? Francamente, não percebo, e esta a nossa estupefacção é suficiente para irmos incluir, entre algumas coisas que estamos a tentar mexer a propósito das autárquicas, propostas no sentido de facilitar a participação de todos os portugueses que assim o queiram, cá dentro ou lá fora, em todas as eleições, sobretudo nas presidenciais, onde as limitações são mais anacrónicas.
PTP Na actual configuração da Assembleia da República tem assento 230 deputados, 4 dos quais eleitos por dois círculos que representam portugueses no estrangeiro. Considera esta representação adequada e suficiente?
JCF É uma boa pergunta, porque de facto há uma diferença muito grande. Esta realidade é recente, tínhamos uns cadernos eleitorais dos círculos fora do território nacional que eram relativamente pequenos e, desde a última alteração do recenseamento, passámos a ter mais de um milhão e meio de pessoas com direito a voto no exterior, foi um salto muito grande.
Agora, há um nível de abstenção muito diferente dum lado e doutro, também por causa das dificuldades de votar. Mas mesmo removendo esses obstáculos, eu admito que os níveis de participação sejam diferentes. Isso não devia fazer grande diferença, porque também não fazemos grande diferença se num distrito houver uma grande abstenção e noutro distrito uma abstenção mais baixa? Mas a verdade é que a diferença é muito grande. Eu acho que se há um milhão e meio de pessoas recenseadas, tem que se pôr na agenda a representatividade dos círculos na Europa e dos círculos Fora da Europa. Se é de forma proporcional ao número de inscritos, tenho dúvidas que isso seja razoável a curto prazo. Mas a partir do momento em que já houve cerca de 150 mil votantes nas últimas legislativas, cada um daqueles deputados, se fosse uma coisa absolutamente linear, vale quase 40 mil votos. Isso é mais do que qualquer distrito precisa para eleger deputados em Portugal. Portanto, começa a haver justificação para que se reveja esse número, mas eu gostaria de ser cuidadoso em relação à forma exacta como isso será feito, porque se levarmos a proporcionalidade ao extremo, podemos ter um desequilíbrio em termos de composição parlamentar que também não é muito razoável.
PTP E considera que a eleição da Assembleia da República pelo método de Hondt ainda é adequada ao país? Será que se deveria avançar para círculos uninominais? Deveria haver um círculo nacional para distribuição de votos que não contribuíram para a eleição de deputados nos círculos distritais?
JCF Sim, achamos isso tudo, tanto achamos que está no programa eleitoral com que nos apresentámos em 2019. O modelo que nós defendemos são 80 círculos uninominais, com o restante dos deputados a serem eleitos por um círculo de compensação, que tenha em conta todos os votos que não elegeram em cada um dos círculos. Isso já existe, aliás, na Região Autónoma dos Açores, onde há um círculo de compensação, portanto não estamos a inovar do ponto de vista constitucional, estamos só a adaptar a constituição, neste particular, às eleições legislativas. Isso teria como vantagem, em primeiro lugar, através dos círculos uninominais, reforçar a ligação dos eleitores com os eleitos, o que é mais ou menos consensual. Depois, teria uma vantagem adicional: valorizar os votos que são actualmente desperdiçados, que não elegem – e repara, nós temos distritos em Portugal com 2 deputados, portanto há muitos votos ali que não elegem, porque é difícil eleger nesses distritos, e acabam por ficar sem representação, o que o círculo de compensação permitiria.
O método de Hondt aumenta, de facto, a diferença entre os pequenos e os grandes partidos, mas também teria que ser aplicado, provavelmente, de alguma maneira, ao círculo de compensação, porque a representação directa desse também não funciona muito bem. Não é o método de Hondt em si que origina o problema, é o facto de ser aplicado a um conjunto de listas em círculos plurinominais que acaba por produzir demasiadas distorções. No passado, isto se calhar tinha a justificação de facilitar o aparecimento de maiorias parlamentares. Mas, agora, que já temos nove partidos representados na Assembleia, penso que isso já não é um argumento que funcione. A evolução do sistema eleitoral é absolutamente crucial e vai constar da nossa proposta de revisão constitucional para bem das pessoas que se sentem desligadas da política, por não estarem representadas.
PTP Como é que os partidos se deverão financiar? Concorda com o modelo vigente?
JCF Com o princípio do modelo, concordamos, ou seja, deve haver uma componente importante do financiamento dos partidos que seja assegurada pelo Estado, para que não seja obrigatório que os partidos dependam de financiamentos privados.
Achamos que as pessoas se devem envolver na política, incluindo financiando partidos, mas fazer com que os partidos dependam exclusivamente do financiamento privado pode não conduzir a uma solução ideal. Agora, na nossa opinião, não nos termos e nas bases em que hoje se discute o nível de financiamento: há eleições em Portugal que só em termos de subvenções aos partidos custam 20 milhões de euros. Não faz sentido nenhum e não é necessário, o tempo das campanhas que precisavam de grandes caravanas, grandes jantaradas, grandes materiais, já passou, não é assim que se fazem campanhas modernas. Hoje é possível fazer campanhas muito eficazes, com poucos meios, e acho que nós somos um bom exemplo disso.
Estamos a propor, aliás já propusemos várias vezes – ainda sem grande sucesso, mas vamos insistir –, que o princípio do financiamento através da subvenção pública se possa manter, mas a níveis de custo bastante mais baixos. Ao mesmo tempo, vamos continuar a insistir também numa ideia simples, que é que os partidos podem e devem ser beneficiários desses apoios, mas têm de pagar impostos, não faz sentido que os partidos sejam isentos de toda e qualquer carga fiscal. E se estamos a falar de actividade puramente partidária, ela, por regra, já é sujeita a poucos impostos ou isenta, portanto também não estaria em causa. Ter partidos a fazer festivais, a vender bilhetes e cervejas sem IVA, isso é que não faz sentido absolutamente nenhum; terem um património imobiliário muito vasto e não pagarem os impostos imobiliários sobre eles, nem IMI nem IMT, não faz sentido absolutamente nenhum. Já propusemos isso duas vezes, em dois orçamentos alegremente chumbados, porque esta gente gosta muito de impostos, excepto quando chega a altura de serem eles próprios a pagar. Mas vamos insistir, porque achamos fundamental para moralizar a relação das pessoas com os partidos políticos.
PTP Os deputados deveriam exercer os seus mandatos em exclusividade?
JCF Acho que sim, embora devesse ser esse o princípio em geral e não por nenhuma desconfiança de promiscuidade ou conflitos de interesse. Não é tanto por esse populismo que nós vamos, é por uma coisa simples: é que para exercer bem o mandato de deputado, não sobra tempo para mais nada – digo-o por experiência própria. Mas admito que também há o argumento contrário: quando as pessoas só se concentram na política e na função parlamentar, perdem algum do contacto que podiam ter com os problemas reais das pessoas. Portanto, não faria disso uma coisa obrigatória, mas acho que é um bom princípio para quem quer desempenhar um mandato como deve ser: não vai sobrar tempo nem para dar aulas, quanto mais para ter outro tipo de actividade.
PTP Acha que a actividade de lobbyismo está devidamente regulada em Portugal?
JCF Não, não está e já se tentou, desde que cá estamos há um ano e meio, duas ou três vezes, fazer avanços nessa matéria. E há sempre uma resistência brutal, que nós não compreendemos, porque vai haver sempre a tentativa de influenciar decisões políticas e é legítimo. É legítimo tentar influenciar as decisões políticas, o que não é legítimo é usar meios ilícitos, obscuros e secretos para o fazer, e a inexistência de uma regulação da actividade de lobby que favorece o aparecimento dessas formas de tentar influenciar. Nós somos favoráveis à total transparência dos contactos e das abordagens das quais os partidos são objecto, para que as pessoas possam interpretar as posições que os partidos tomam em função dos contactos que têm com essas pessoas que querem influenciar, sejam elas pessoas diretamente interessadas, sejam elas empresas especificamente dedicadas ao lobbying.
PTP No que respeita à actual legislatura, crê haver garantias de estabilidade política para a levar ao seu termo? Como avalia o momento político em Portugal, com um acumular de “escândalos” que tocaram vários ministros, e a política de combate à situação pandémica?
JCF Eu acho que as duas coisas são muito preocupantes e, infelizmente, a pandemia tem vindo a justificar alguma secundarização dos outros problemas que já vinham de trás. O Partido Socialista tem uma tendência hegemónica muito grande, é o partido de exercício do poder há muito tempo, tem muita influência na sociedade, distribui muitos cargos e influencia muitos fazedores de opinião. Portanto, precisa particularmente de ser contrariado nessa tendência. É como uma espécie de segunda lei da termodinâmica, em que os sistemas tendem para a entropia: pois, o PS tende para a hegemonia. E essa tendência só pode ser contrariada com grande assertividade da parte de quem está na oposição. E tem-se assistido, infelizmente, a que o maior partido de oposição não tem feito esse tipo de insistência, não tem tido esse tipo de assertividade e, portanto, o PS tem-se sentido mais livre para aumentar a influência que tem na sociedade portuguesa. Às vezes, até com o voto favorável do PSD, como aconteceu quando acabaram os debates quinzenais, quando se reviu a forma de eleger as presidências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, quando se alteraram as formas de compor as listas de cidadãos independentes para as autarquias… Em todas estas medidas que aumentam o poder dos partidos, o PSD pôs-se imediatamente ao lado do PS. É pena.
E é neste contexto que eu digo que a pandemia vem ainda tornar mais difícil fazer as pessoas verem a gravidade do que está a passar, porque perante um assunto tão sério como a perda de vidas, que reconheço que é de facto a emergência que temos de tratar, parece que não há outro problema em Portugal. Está a tornar-se cada vez mais difícil chamar a atenção, com a gravidade que merecia, para estes fenómenos de tomada do aparelho de Estado: a nomeação directa de Mário Centeno para o Banco de Portugal, a substituição da Procuradora-Geral da República, a substituição do presidente do Tribunal de Contas. São tudo coisas feitas com um descaramento que só é possível porque partem do princípio que o ciclo noticioso ou não vai ligar, ou vai ligar durante 20 minutos e depois passar ao tema seguinte, e o tema seguinte vai ser a pandemia. Mesmo dentro da pandemia, também há casos: quando o coordenador da task force da vacinação é nomeado porque prestou serviços ao Partido Socialista durante anos, está no apoio à candidatura de Marisa Matias, vem fazer comentários de análise política e partidária, em vez de estar a gerir o plano de vacinação, viu-se no que deu e saiu – e saiu, em nossa opinião, tarde demais. E mesmo esta confusão sobre os critérios de vacinação e os abusos a que se tem assistido, são evidências de que algo está muito errado, que o PS não pode ser deixado sozinho. Compete-nos a nós, e nós não temos ficado calados em relação a estas matérias, porque mesmo no combate à pandemia, a incompetência tem sido muita. E mais, a incompetência em si já é má, mas a incapacidade de reconhecer a incompetência e de assumir responsabilidades, então, é péssima, porque garante que não querem aprender os erros que têm cometido.
PTP Como é que o liberalismo resolve a questão do problema climático? E como é que se promovem políticas ambientais com menos Estado ou um Estado menos presente? Sei que é uma questão para a qual não tem uma resposta completa, vi-o referir noutros debates, mas gostava que me desse um pouco o enquadramento e perspectiva sobre a reflexão que tem de ser feita nesse campo.
JCF O que fizemos foi a coisa mais liberal que podemos fazer, que é reconhecer a existência do problema e pô-lo à discussão, porque acreditamos que das milhares de cabeças boas que temos a trabalhar e a pensar connosco, vamos conseguir ter uma posição mais concreta e positiva em relação ao plano de alteração climática e, também, ao ambiente de uma forma geral, que não tem a ver só com o clima: há temas como resíduos, qualidade da água e várias outras questões.
Nós temos uma abordagem empírica ao problema: os países que melhor têm conseguido lidar com estas temáticas, e que mais avanços têm feito, são tipicamente países com estruturas liberais ou baseadas no liberalismo. E porquê? Porque têm tido a capacidade de ter o nível de desenvolvimento suficiente para adoptar políticas de suporte ambiental. Há sistemas económicos em que já se consegue comprovar que reconverteram um conjunto de indústrias a uma menor pegada carbónica. Há vários sistemas, alguns deles bem testados, por exemplo na Suécia, que são mais rentáveis para as indústrias em questão. O problema é a necessidade de investimento no período de transição, e nesse período é importante que os países possam apoiar: para isso precisam de ser ricos. Esta é uma questão empírica e voltamos à questão de ter de ter a economia a crescer como instrumento para poder responder melhor aos problemas ambientais.
Também temos outra abordagem mais ideológica, que é acreditarmos que perante um problema, com os incentivos certos, a engenhosidade humana é capaz de encontrar soluções. Tem sido assim ao longo da história, acredito que seja assim também no caso do ambiente, e acredito que seja assim atempadamente. Eu sei que há pressa e urgência em resolver esse problema e acredito que, da mesma maneira como uma vacina contra a Covid apareceu num décimo do tempo de que qualquer outra vacina antiviral que há memória, também há problemas que, se houver os incentivos certos, podem ser resolvidos num prazo de tempo muito curto, recorrendo à criatividade, imaginação, inteligência e capacidade de trabalho de centenas de milhares de pessoas espalhadas no mundo, coordenadas automaticamente por aquilo que eu aqui posso chamar a propriedade de uma mão invisível.
Podemos ainda ter uma terceira abordagem, que é que se os recursos naturais usados em excesso, ou estragados, tivessem tido um preço desde o princípio, então, o sistema capitalista e a economia de mercado teriam tratado muito bem o desenvolvimento económico, incluindo esses preços no seu processo de produção. Não foi isso que aconteceu, gerou-se um desequilíbrio e é preciso corrigir o sistema de preços. Infelizmente, e por isso é que é um tema difícil para os liberais, um problema que é global, que envolve a coordenação de 200 estados à volta do globo, não pode ser feita através de autorregulação das sociedades. Sei que se conseguirmos fazer a ligação entre aquilo que é o modelo de fixação de preços, fundamental para uma economia de mercado, em que o preço reflecte toda a informação que devia lá estar reflectida, incluindo o uso de recursos que são escassos ou que é essencial manter limpos, então conseguiremos muito rapidamente resolver pelo menos o problema das emissões de CO2, que é o problema mais urgente. Com novas formas de produzir energia, novas formas de captar CO2 – os famosos sumidouros –, tudo isso pode acontecer se houver os estímulos certos para que a engenhosidade e criatividade humana sejam postas ao serviço desse problema.
PTP Outro problema que carece de análise e solução é a sustentabilidade da Segurança Social. A esse respeito que modelo é que sugeririam: um modelo misto, um modelo mais privado… tem algum modelo em perspectiva?
JCF Mais uma vez, a solução ideal não é independente do estado a que já chegamos. Se calhar, se tivéssemos começado a falar nisto há 50 anos, um sistema de capitalização em que cada um escolheria a sua solução de Segurança Social seria o mais indicado e, hoje, estaríamos a falar de problemas diferentes e muito menos graves. Chegados aqui, não podemos fazer uma transição directa para um modelo de capitalização pura, isso não funcionaria no estado de desenvolvimento em que Portugal está.
Defendemos um sistema misto, em que as pessoas tenham a liberdade de escolha para poder complementar o apoio da Segurança Social pública com o seu próprio plano de poupança e de reforma privada, que lhe pertença e que não esteja num bolo gerido centralmente pelo Estado. Até porque há uma coisa que as pessoas têm que ter consciência, e que talvez possa influenciar o debate sobre a Segurança Social no futuro: a Segurança Social, em todos os países, é, basicamente, uma colecção de contribuições no presente, aplicadas e investidas para produzirem o volume suficiente no futuro para satisfazer as responsabilidades que foram sendo criadas. Até aqui, acho que toda a gente está de acordo. Mas eu usei aqui uma palavra no meio que mudou muito de significado e, sobretudo, de retorno, nos últimos cinco anos, que é a palavra investimento. Se é verdade que durante décadas foi possível fazer quase uma escolha muito primária entre investir em instrumentos de rendimento fixo, tipo obrigações, ou de rendimento variável, tipo acções, correndo mais risco, hoje em dia, o número de instrumentos multiplicou-se muitíssimo. Tivessem sido feitos bons investimentos em benefício da Segurança Social noutros mercados de capitais clássicos, teria ajudado muito a tirar a pressão.
Quem tivesse a possibilidade, amanhã, num sistema misto, de ter uma conta de reforma em capitalização, e se houvesse alguém a oferecer instrumentos muito avançados, arrojados, derivativos que lhe permitissem ter mais retorno, correndo obviamente mais riscos, se essas pessoas o escolhessem livremente, se calhar teriam uma reforma bem mais simpática do que terão com o modelo actual.
PTP Falámos sobre a prevalência de empresas estatais durante muito tempo em Portugal. Perguntava-lhe sobre o caso concreto de uma: faz sentido num país como Portugal ainda ter um serviço audiovisual público como RTP?
JCF Não, não faz. E até tirava o ainda da pergunta: acho que nunca fez. O único motivo pelo qual os Estados têm televisões é político. Às vezes podem ser motivos políticos benévolos, do género manter a influência de determinado país em ex-colónias ou em sítios recônditos, etc. De resto, todos os outros motivos políticos em que eu possa pensar, não são muito, aliás não são nada defensáveis. Portanto, ou se trata de defender uma noção de cultura que não sabe muito bem quem é que define, ou se trata de se ter correias de transmissão para disseminação de ideias políticas e de opiniões políticas condicionando o debate público.
Não faz sentido absolutamente nenhum, especialmente quando olhamos para o caso concreto, e para os números concretos, da RTP, que leva do erário público, todos os anos, quase 300 milhões de euros de indemnização compensatória. Para fazer o quê, em termos de política pública?! Nada que não pudesse ser concessionado. E aquilo que não pudesse ser concessionado, e duvido que sobrasse muito que valesse a pena manter do ponto de vista da defesa da língua portuguesa ou da defesa da memória histórica de Portugal.
“Se há um milhão e meio de pessoas recenseadas, tem que se pôr na agenda a representatividade dos círculos na Europa e dos círculos Fora da Europa”
PTP Têm tido uma voz muito activa no dossier TAP. Quer partilhar o vosso ponto de vista sobre a TAP e expandir à questão do novo aeroporto?
JCF Vamos começar pelo aeroporto, que é talvez a questão mais difícil. O que está previsto no contrato de concessão com a Vinci, que detém a ANA Aeroportos, é de que, a partir de determinado nível de tráfego do aeroporto Portela, fiquem obrigados a construir um aeroporto. A decisão da localização é uma escolha do concessionário, mas sujeita à aprovação do governo, portanto acaba por ser uma escolha do governo. Não me parece um esquema mau, mas depende muitíssimo da forma como é executado e das opções concretas que se tomam. Eu já estive envolvido em várias discussões sobre aeroportos, já há mais de 20 anos, e a verdade é que se conseguem arranjar bons e maus argumentos para todas as localizações. E acho que vai continuar assim, porque a região de Lisboa também não tem 10 localizações possíveis, já só sobram 3 e, portanto, é um tema que é tão técnico, tão técnico, que eu só vou sugerir à Iniciativa Liberal que tenha uma posição oficial quando essa discussão técnica for tida dentro do partido.
O que eu digo é que a escolha não é irrelevante do ponto de vista do futuro da TAP. E podemos dizer ao contrário, mas neste caso acho que uma é mais binária que a outra. Porquê? Porque o que se passou na TAP é paradigmático daquilo que o Partido Socialista gosta de fazer, que é atirar dinheiro para cima do problema e, depois, logo se vê. Como o dinheiro é dos contribuintes, nós achamos isto ofensivo: não se pode pôr 1.200 milhões de euros em empréstimos que já voaram, mais 500 milhões agora anunciados – aqueles 500 milhões de euros que estavam inscritos no orçamento vão já ser consumidos, porque a empresa está a queimar dinheiro a cada mês que passa e vai continuar a queimar dinheiro, muito para além dos quase 4 mil milhões de euros que já foram mais ou menos indicados como sendo a factura final da TAP. Vai continuar a queimar dinheiro enquanto não tiver uma viabilidade assegurada, não pela gestão que agora vai estar em funções, não por o ministro Pedro Nuno Santos achar que percebe de aviação, mas até ao dia em que tiver um parceiro de aviação que perceba do assunto – é aqui que está o ponto que tem a ver com o aeroporto – e consiga assegurar a manutenção e viabilidade do hub de Lisboa. E isso tem a ver com as rotas do Brasil e com as rotas dos Estados Unidos, que têm de encaixar numa estratégia de rotas daquele que possa vir a ser o parceiro de aviação da TAP no futuro. Por isso é que nós dissemos, desde o princípio, que ou há uma noção estratégica de como é que se há-de lidar com o futuro parceiro da TAP, e se prepara já para esse parceiro, e não para outros – é uma escolha que tem que ser feita agora, porque cada parceiro já tem um conjunto de rotas diferentes e cada parceiro pode ter um interesse diferente na TAP e inviabilizar o hub de Lisboa. E sem o hub de Lisboa a TAP nunca vai ter viabilidade. E, portanto, fará com que não só tenhamos gastado o dinheiro que já está previsto que iremos gastar e que vai ser torrado, como não teremos uma companhia de aviação como deve ser e, dificilmente, conseguiremos mantê-la à tona por muitos mais anos depois do final deste processo de intervenção. Está a preparar-se um assalto à carteira dos contribuintes, igual ou superior ao do Novo Banco. Com uma diferença: apesar de tudo, no caso do Novo Banco há uma estrutura de acompanhamento com várias auditores, etc., que diz: cada tostão que vai para o Novo Banco passa por não sei quantas entidades. Na TAP não, vai ser uma vai ser uma autêntica orgia de apoios, dinheiro dos contribuintes sempre que for preciso dinheiro, a pretexto de que empresa é estratégica, que tem emprego muito qualificado, que compra muitas coisas em Portugal. Como se outras empresas e outras companhias aéreas a funcionarem em Portugal não empregassem pessoas, nem fizessem compras no país.
PTP E acredita que o ministro já tem sensibilidade para que seja incontornável encontrar esse parceiro estratégico para a companhia aérea?
JCF Devo dizer que acho que sim, hoje em dia acho que ele já reconhece que a maneira como se atirou para este problema o meteu num beco do qual já não consegue sair sem um volte face, que até lhe custará politicamente. E, como tal, não pode admitir que já tem que começar a negociar com alguém que saiba de aviação, que lhe garanta a manutenção do hub, que tem de começar a falar com alguém e ter uma estratégia de saída de forma a não eternizar a cobertura dos défices de exploração que, neste momento, vai ter que fazer. Eu acho que ele já percebeu isso tudo. Daí a alguma vez vir a admitir, isso tenho algumas dúvidas. Tenho, aliás, muitas dúvidas – tenho quase a certeza que não.
PTP O que podemos esperar da Iniciativa Liberal nas próximas eleições autárquicas? No fundo, o que é que será um autarca liberal?
JCF Ora o autarca liberal é aquele que aplica, à escala local, aquilo que defendemos à escala nacional: menos burocracia, menos regulamentos, menos taxas, menos impostos e uma muito maior participação das pessoas, individualmente consideradas, na vida do concelho, fazendo com que os concelhos sejam sítios bons para trabalhar, bons para viver, bons para construir uma vida de acordo com o que cada um quiser. Isso também tem a ver, depois, com a rede de transportes, com a rede de saúde, de escolas, com tudo isso.
O que é que podem esperar da Iniciativa Liberal? Coerência, caras novas, pessoas convictas, liberais assumidos, uma estratégia de ir, na esmagadora maioria dos casos, sozinhos a eleições, fazendo da afirmação das ideias liberais algo muito mais importante do que a obtenção de mandatos, aqui ou acolá, que vamos conseguir na mesma. E temos algumas boas hipóteses de o fazer e de ter algum sucesso eleitoral. Mas, a batalha mais importante é a batalha das ideias, a batalha cultural com coerência, com pessoas que sejam apaixonadas pelas suas terras, que sejam pessoas capazes de pôr essa paixão ao serviço das ideias liberais e fazendo o nosso caminho por aí.
PTP Porque está na ordem do dia, tiveram já oportunidade de refletir que data desejariam para o acto eleitoral.
JCF É uma discussão que achamos legítima ter agora, mas não é uma decisão que se vá tomar agora. Ninguém vai decidir adiar coisas, ou antecipar coisas, com oito meses de antecedência. Porquê? Estamos já a assumir que vamos ter uma quinta vaga nessa altura e um adiamento por dois meses, para calhar mesmo no pico do Natal, garante que vai estar melhor?! Não garante nada!
Portanto, o que é que devemos fazer para não tomar a decisão à última da hora? Devemos definir qual é a data mais tardia em que a decisão tem de ser tomada. Isso depende de quê? Depende do tempo de preparação que as candidaturas, quer as dos partidos, quer as dos cidadãos independentes, precisam para ter uma campanha eleitoral bem feita e que informe as populações. E, agora, decidir quais são os critérios que vamos usar para optar por uma solução ou outra. Esses critérios têm que ser científicos e objectivos, de como é que estará a situação pandémica naquela altura, incluindo a vacinação e a distância em relação à imunidade de grupo.
Espero também que haja uma atitude prospectiva, conseguindo, finalmente, aproveitar aquilo que se deve ter aprendido. Ou, pelo menos, espero que se tenha aprendido, na altura já somarão quase 20 meses de pandemia, para que possa tomar decisões baseadas em factos e não só em conveniência política, no medo ou noutra coisa qualquer.
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