Entrevista | Ana Gomes
TPP
PT Post Qual deverá ser o papel de Portugal no contexto europeu e mundial?
Ana Gomes Essa pergunta exigiria naturalmente uma resposta bastante lata. Direi, muito em síntese, que enquanto país-membro da UE, Portugal tem tido e continuará a ter um papel muito importante na aproximação entre os povos e na consolidação da pax europeia. Enquanto nação euro-atlântica, Portugal é ator histórico fundador duma corrente integradora e favorável à cooperação em matéria de segurança e defesa em torno do pilar NATO, a qual, deverá ser agora aprofundada e “aggiornata”, esgotado que está o período de lamentável retrocesso da administração Trump. Em termos mais genéricos, pode dizer-se que a defesa intransigente dos Direitos Humanos, a defesa do planeta e o empenhamento numa transição climática justa e eficaz, o combate às perturbadoras desigualdades económicas e sociais, à discriminação étnica e de género, a defesa da Liberdade, da Democracia e da Paz deverão ser continuar a ser luzes orientadoras das nossas políticas.
PTP As legislaturas são para cumprir até ao fim? Como olha para o atual Parlamento, especialmente considerando não hAGer um acordo formal que garanta o apoio de uma maioria ao governo? Preocupa-o mais a estabilidade ou o vigor do governo, particularmente num contexto de várias dificuldades que se antecipam para o futuro próximo?
AG A presidente deve trabalhar com qualquer governo que integre forças democráticas. Sem jamais descurar a defesa intransigente da democracia, da liberdade e da inclusão e o irrenunciável dever de defesa da Constituição. Garantindo o seu cumprimento e que ninguém fique para trás. Só as condições concretas que se coloquem a cada momento permitirão definir cada passo do relacionamento da Presidente com os outros órgãos de soberania. Contudo, o pano de fundo será sempre o respeito rigoroso pela Constituição da República e o princípio da separação de poderes.
PTP Um dos problemas centrais que os portugueses a viver fora de Portugal enfrentam, é a dificuldade no exercício do seu dever cívico de votar. Seja pela distância que alguns portugueses vivem dos consulados ou pelo facto de eleições diferentes terem métodos de voto diferentes (presencial ou postal). Qual é a sua posição em relação a isto, como vê a inclusão do voto eletrónico para quem vive fora de Portugal e o que poderemos esperar da sua presidência e da sua influência enquanto presidente, relativamente a esta questão?
AG As comunidades portuguesas podem e devem manter uma relação não só emocional com a sua Pátria. Na Presidência da República continuarei a pugnar para que no quadro político e parlamentar se reforce a participação dos nossos compatriotas em todos os atos eleitorais, aproveitando as capacidades tecnológicas disponíveis e o reforço do princípio da participação. Portugueses somos todos, onde quer que estejamos. É inaceitável que sejam colocadas tantas dificuldades aos nossos emigrantes para poderem votar nas presidenciais. É inexplicável que a lei em vigor não contemple a possibilidade de voto por via postal para as presidenciais, enquanto o voto eletrónico não estiver disponível.
PTP O ensino da língua portuguesa no estrangeiro para portugueses de segunda e terceira geração, é um tema muito relevante para quem vive fora, nomeadamente desde a criação da propina de ensino, mas também as várias limitações que os cursos de português oferecem aos pais de crianças e adolescentes, que vão desde a localização aos horários. É importante para si que o governo invista no ensino do português e podemos contar consigo na defesa deste tema?
AG A minha posição nesse campo ficou bem clara durante a minha ação no Parlamento Europeu. A língua portuguesa é um vetor estratégico da nossa afirmação internacional. Quer pelo seu valor cultural quer pelo seu valor económico. De mim, como Presidente da República, só se poderá contar com a máxima exigência do ensino da língua portuguesa junto das comunidades. É obrigatório que o Estado reforce os meios humanos e financeiros para que o ensino do português às novas gerações ganhe mais qualidade, se torne acessível e universal. O que a senhora Le Pen pretende fazer ao ensino da língua portuguesa em França é um retrocesso histórico e um crime cultural. Deve ser rejeitado categoricamente
PTP Qual é a sua opinião relativamente às tragédias humanitárias no Norte de Moçambique e enquanto Presidente e Comandante Supremo das Forças Armadas, que posição tomaria em relação a este assunto?
AG A situação em Cabo Delgado é extremamente preocupante. Portugal deve reforçar a sua ação junto da diplomacia e do governo moçambicano no sentido de, no quadro das Nações Unidas e da CPLP, assegurar a defesa da integridade territorial de Moçambique, bem como a defesa e segurança das suas populações. Não se podendo esquecer que também há cidadãos portugueses entre as vítimas.
PTP O partido com o qual construiu o seu percurso político não se uniu no apoio à sua candidatura presidencial. Como avalia essa posição? Traz-lhe motivação adicional para trabalhar no seu programa para o exercício da presidência da República?
AG Sou uma cidadã no pleno uso de direitos e concorro para afirmar e aprofundar esses direitos. Como expliquei em 10 de Setembro quando me apresentei como candidata, entendi não dever desertar do combate democrático das presidenciais. A Presidência da República é um órgão-chave no nosso quadro democrático. É por isso que em Portugal, desde o 25 de Abril, as eleições para Presidente da República passaram a ser feitas por sufrágio direto e universal. O povo português é sábio e soberano, e como tal decidirá.
PTP Como vê a evolução, um pouco por todo o lado, mas particularmente em alguns países europeus e no caso da Polónia e Hungria, até no governo, de movimentos populista ligados à extrema-direita? Perspetiva uma evolução semelhante em Portugal?
AG Os casos da Hungria e da Polónia resultam de taticismos desses países no quadro da negociação com a UE. Há que perceber que são países que saíram de regimes totalitários há cerca de três décadas apenas e que a devoção à democracia não é ainda vista da mesma forma em todo o espaço europeu. Há que reforçar a Liberdade como primado, e isso leva tempo. Essa luta tem de continuar a fazer-se no respeito pelos direitos, pela transparência e pela inclusão.
PTP Tem sido uma denunciante acérrima de casos de corrupção. É um problema endémico do país? Como tenciona actuar para o dissipar?
AG A corrupção é uma doença da Democracia, a verdadeira cauda dos populismos. Caberá à Presidente da República dar o exemplo, e ser rigorosa na exigência de transparência da vida pública e dos negócios do Estado. A frouxidão no combate à corrupção fortalece os populismos, enfraquece o Estado e a República. Há que dispor de leis rigorosas e ser exigente também com os reguladores, com todos os atores da vida pública, incluindo as autoridades judiciárias e o sistema de justiça.
PTP A defesa pública de Rui Pinto, antes até de ter sido presente a tribunal, trouxe-lhe muitos elogios, mas também lhe tem valido bastantes críticas. Entre várias acusações, diz-se que o Rui Pinto terá entrado mais de uma centena de vezes no email do juiz Carlos Alexandre. Enquanto candidata a presidente e a mais alta magistrada da nação, mantém a sua posição anterior em relação a este tema e voltaria a fazer o mesmo?
AG O caso Rui Pinto é revelador de como as leis existentes contêm lacunas e podem conduzir a que se puna o mensageiro e não a mensagem. Sem interferir na separação de poderes e no princípio da suficiência da lei penal, bater-me-ei, enquanto Presidente e cidadã por uma leitura do quadro jurídico-legal, nomeadamente em matéria de proteção mais adequada da figura do “whistleblower”, da qual resulte uma Democracia mais transparente, mais justa, logo, mais sã. O caso Rui Pinto é um caso de estudo onde vários conceitos de investigação se questionam. Espero que no final se faça Justiça, sem preconceitos nem dogmas.
Aproveito para saudar a comunidade portuguesa na Alemanha, e a todos desejar um excelente 2021.
Núcleo de Apoio das Comunidades a Ana Gomes: https://bit.ly/2LDa1EY
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