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A mudança começa com diálogo

Entrevista | Welket Bungué


‘Cartas de Guerra’, de Ivo M. Ferreira (2016), trouxe Welket Bungué pela primeira vez à Berlinale na corrida ao prémio mais desejado de todos: o Urso de Ouro. No ano seguinte, voltou à competição principal, desta vez como parte do elenco de ‘Joaquim’, de Marcelo Gomes. Em 2020, concorreu de novo ao cobiçado prémio como protagonista de ‘Berlin Alexanderplatz’, de Burhan Qurbani. “Mudança”, curta-metragem que realizou no ano passado em Lisboa, faz parte da secção Forum Expanded do 71. Festival de Berlim.


Rita Guerreiro


Welket Bungué é um habitué da Berlinale - e também das páginas do PT Post.


Numa entrevista curta mas substancial, e com a disponibilidade a que já nos habituou, o realizador, actor e performer luso-guineense residente em Berlim falou-nos sobre “Mudança”, actualmente seleccionado na secção Forum Expanded do Festival de Berlim (9-20 de Junho 2021).


“Mudança” é um projecto experimental de 27 minutos que junta teatro, performance, música, poesia, pintura num mesmo palco. Feita em parceria com o Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, a curta tem como ponto de partida dois poemas do livro ‘Cabaró, Djito Tem!’, da autoria do pai do realizador, Paulo Tamba Bungué (1996). “O meu pai faleceu em 2002, quando eu tinha 14 anos. Pouco depois, a minha mãe deu-me um dos últimos exemplares que ficaram com ela e desde esse período que eu o fui lendo. O livro acompanhou-me à medida que fui crescendo”.

Foto: © Kussa Productions

Qual amuleto da sorte, o livro é uma forma de dialogar “com esse homem maduro e mundividente que ele era, porque viajou muito e relacionou-se com pessoas de vários quadrantes e em circunstâncias muito distintas. e esta foi a forma que encontrei de dialogar com a intelectualidade do meu pai e com o brilhantismo dele, paralelamente às histórias que a minha mãe me ia contanto sobre ele”.


Mas esta não foi a primeira vez que o livro serviu de inspiração artística; já o seu primeiro filme, “Buôn”, co-realizado com Miguel Munhé (2015), foi beber às páginas escritas pelo pai, como nos conta Welket Bungué:


“Alguns poemas dele são citados no final do filme”. “Mensagem” (2016), vídeo-arte realizado no Brasil, foi também baseado num dos poemas do pai. Alguns anos volvidos, surge “Mudança”, por um lado, devido à “maturidade artística” que considera ter acumulado. Por outro lado, é fruto desta época que atravessamos, “tendo em conta a conjuntura actual, que nos instiga à mudança, e que terá de ser feita com base num outro tipo de padrões. A transversalidade dos seus poemas prestava-se a ser transportada para o palco no sentido de uma experiência teatral induzida pelo Francisco Frazão [director artístico do Teatro do Bairro Alto]”.


Desafio, sonho e diálogo


O desafio lançado foi criar uma peça artística audiovisual no contexto de pandemia, um trabalho que trouxe a possibilidade de “sonhar e eternizar um desejo, que neste caso é um desejo de cura. De mudança”. A curta parte de dois poemas escolhidos propositadamente para proporcionar um diálogo “que tem a ver com a necessidade de mudança, de mudança de paradigmas. E, sobretudo, de perspectiva individual, no sentido de nos resgatar deste capitalismo aceleracionista em que vivemos e desta era da imagem exacerbada, que de alguma maneira fazem com que percamos a capacidade de ter pensamento crítico e de agir perante as coisas que nos afectam realmente. Acho que esta mudança deveria ser entendida como uma voz matriarcal, cujo discurso tem por base a ideia de colo”, explica Welket.


O filme aposta em imagens fortes, algumas cenas da floresta amazónica, outras mais despidas, com fundos escuros, jogos de luz e sombras. Joacine Katar Moreira é uma das protagonistas. “A ideia surgiu quando eu estive em Marselha e tive contacto com as pessoas que estavam nas ruas a celebrar a saída do estado de confinamento, que são as imagens que abrem o filme”, diz Welket no seu tom de voz seguro e tranquilo. “Aquela experiência deixou-me de tal modo emocionado e sensibilizado que fechei os olhos e tentei perceber quem seria a figura em Portugal que podia representar aquela ideia de congregação de pessoas, de unidade. Uma unidade dentro da diversidade multi-étnico-cultural que se via ali naquela praça. Foi aí que cheguei à Joacine.”

Foto: © Kussa Productions

Actriz improvável para alguns, personifica o que Welket procurava para “veicular humanamente as palavras e o significado dos textos do meu pai”. Nesta curta história, surge como trabalhadora essencial, mas também como figura essencial. “A razão primária desta escolha para o filme é por conta daquilo que ela representa como figura, como mulher. A sua agenda política transcende aquilo que são as formalidades do seu exercício enquanto deputada”.


Mudança para nos mostrar o caminho


Welket é peremptório quanto à importância do papel de Joacine dentro e fora da tela. “É essencial que exista uma pessoa como ela, tendo em conta a relutância e os lugares de vulnerabilidade que a sociedade portuguesa tem face às mudanças que são urgentes para que possamos ter mais igualdade de género, de direitos e de tantas outras coisas que ainda precisamos alcançar”.

Foto: © Kussa Productions

“Mudança” pretende, assim, “reflectir esse pensamento e essa atitude construtiva de um caminho para a mudança, uma mudança que nos deverá beneficiar a todos, sobretudo no sentido humano do termo”. Os poemas que o pai escreveu e publicou nos anos 90 não podiam ser mais actuais.


“Ter o filme na Berlinale é um acontecimento que valoriza a minha trajetória artística e também dá visibilidade a este pensamento e a este feeling que eu tenho que tem a ver justamente com o desejo de colocar as pessoas em diálogo. Isso tem-me sido proporcionado pelo cinema, pela arte, e deixa-me bastante feliz. E também convencido que este é o caminho certo”, arremata.


Welket Bungué esteve na Bélgica e em Espanha a filmar “Aller/Retour”, de Dorothée Van Den Berghe, em Fevereiro/Março. Em Maio/Junho passou por Lisboa onde esteve três semanas a filmar “Prima ku Lebsi”, curta que termina a trilogia “Sonhos de Cor”, onde se incluem os títulos “Bastien” (2016) e “Arriaga” (2019). Está agora de volta a Berlim, onde se prepara para trabalhar na edição do seu novo trabalho como realizador, uma história que se passa numa Lisboa actual e segue duas mulheres afro-descendentes, Prima e Lebsi, que cresceram nos arredores da cidade. Os temas abordados giram à volta das relações homoafectivas, identidade de género, hedonismo e empoderamento feminino. “Crimes of the Future”, de David Cronenberg e com Viggo Mortensen e Kristen Stewart como principais nomes em cartaz, irá levá-lo à Grécia para as filmagens, programadas para decorrer ainda este Verão.


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